terça-feira, 21 de outubro de 2008

Abaçaí


Os barcos chegam sem descanso. Mais e mais riquezas são trazidas de lugares que até mesmo o rei desconhece. O povo se aglomera nas docas para festejar a chegada das embarcações de onde saem homens desgastados pelo mar ou, talvez, corroídos pelos dias de solidão onde as únicas companhias foram os demônios da consciência. Caixas cheias de ouro são retiradas das embarcações e acumuladas na praça central da cidade, onde são deixas para passar a noite. Nas tabernas inundadas de fumaça exaltam-se lendas entre uma tragada e outra . São histórias de uma terra habitadas por seres monstruosos, sem nenhum resquício de humanidade, que por serem assim, não merecem as riquezas de seu solo, herança de um Deus que por eles não olha. As pessoas se deliciam com essas fantasias, uma estupidez que alivia o espírito. Tomados pela embriaguez, todos se recolhem para suas casas, onde o prazer da carne se iguala ao do explorador.
No dia seguinte, todos acordam certos de que as caixas já não se encontram empilhadas, pois o exército tratou de recolhe-las logo cedo. Só que desta vez foi diferente, as caixas estavam todas lá, da mesma forma que as colocaram, entretanto, vazias. O povo se acotovelava para chegar perto das caixas e em meio ao falatório, a voz de um homem deitado no chão, exalando um cheiro podre de urina, ecoava pelos quatro cantos da praça, repetindo: O ouro em sangue à terra retornou e envenenado está.
Os pregos intactos e o vapor que emanava dos sulcos do chão demonstravam que o bêbado poderia estar certo. Só que a notícia do roubo dos metais já havia chegado ao rei e toda a tropa do exercito começará uma busca pelos culpados.
A cidade foi cercada e os homens foram sendo recolhidos um a um e reunidos diante da igreja para ouvir o sermão do padre que, acompanhado do rei e do general da tropas, pedia para o culpado, arrependido, entregar todo o ouro as autoridades. Como ninguém se manifestou e cansado de esperar, o general do exército ordenou que fosse montada a forca e que começassem os interrogatórios. O primeiro a ser interrogado foi o bêbado, que insistentemente, repetia a mesma frase – O ouro em sangue à terra retornou e envenenado está. - Foi o primeiro a ser enforcado. Sucessivamente, todos aqueles que não conseguiam provar sua inocência foram sendo mortos. Ferreiros, agricultores, marinheiros, juízes, nobres, mendigos, padres, sem distinção, todos foram sendo sacrificados sem relutar, como se cada um carregasse consigo uma parcela de culpa. As mulheres do povoado, vendo seus maridos e amantes naquela situação, começaram a se jogar ao mar, abraçadas em seus filhos. Outras, ateavam fogo em suas casa e lá se trancavam com o que restou da família, até que o fogo as consumissem.
Nenhuma gota de sangue havia sido derramada e ao final do dia só o exercito restava naquela cidade. A alegação feita para a matança era de que havia um complô naquela cidade. Do mendigo ao mais abastado nobre, todos tinham culpa no ocorrido, e, por causa disso, o temor a Deus fez com que todos se achassem no dever de morrer.
Após a saída do exército, a cidade estava vazia.
A chuva caia sem encontrar ninguém para molhar, nem mesmo as flores podiam ser banhadas por ela, por que todas se encontravam murchas, as árvores haviam perdido suas folhas, os animais haviam sumido. A vida naquele lugar havia se extinguido, a morte envenenara aquela terra.


*Abaçaí: perseguidor de índios, espírito maligno que perseguia e enlouquecia os índios

Início

Resolvi criar esse blog para escrever. Escrever sobre tudo, tudo aquilo que não envolve somente a minha pessoa, mas, sim, todos nós.
Não quero ficar aqui descrevendo como eu sou ou como foi meu dia, o que vi ontem na tv, onde vou passar minhas férias, etc. Quero falar de quanto tudo isso afeta nossas vidas, de como aquilo que vi ontem na tv se relaciona não só comigo, mas contigo tb.
Fazer muitas perguntas, mas, também, encontrar respostas só pelo fato de estar escrevendo sobre elas, organizando tudo o que me aborrece ou me alegra.
Enfim, esse blog é sobre a vida, não a minha intimidade, mas a vida como um todo, sua relação comigo e com todos os que dela se beneficiam.
Esse é meu primeiro texto, um desabafo. As proximas postagens não serão tão diretas e didáticas. Através da arte irei falar sobre os assuntos que citei acima. Só assim consigo emitir opiniões sinceras.